Queres ser pai?

MVA
3 min readMar 19, 2021

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Tony and Joe, their younger son. Photograph: Courtesy Decca Aitkenhead (do The Guardian)

Tive a sorte de ser pai já numa idade avançada. Madura, vá. Ser pai tem sido uma coisa absolutamente maravilhosa e calhou na altura certa, em que se começa a relativizar muuuita coisa e se percebe assim — tchan! — a importância de amar e ver crescer uma criatura. Arrogo-me o direito patriarcal — no sentido da provecta idade— de dar uns conselhos aos potenciais pais:

Não penses que a biologia te faz pai. A biologia não fala, apenas… é. ADN são as iniciais de Ácido DesoxirriboNucleico, não de, sei lá, António Dias Nogueira. (Ser pai não é estatuto, é escolha, compromisso e processo, mesmo quando houve biologia).

Não penses que a lei te faz pai. A lei foi durante muito tempo feita por senhores que precisavam dela para terem a paternidade dos filhos das mulheres, já que não engravidavam e precisavam de trabalhadores ou herdeiros ou troféus.

Não tens de ser apenas uma figura de “autoridade”. A não ser que acredites em textos apócrifos escritos há milhares de anos a partir das ideias de pastores de cabras do Médio Oriente.

Não penses que a criança tem de ter um pai e uma mãe para ser saudável. A não ser que acredites em ideias tidas por um senhor com as barbas sujas de Sachertorte num café da Europa central no século XIX. Podes ser pai sozinho, com uma mulher, com um homem, em co-parentalidade sem conjugalidade…

Não tens de viver obcecado com a proteção das tuas filhas. Talvez seja melhor viveres um bocadinho obcecado com a educação dos teus filhos e dos outros.

Et pour cause: Não tens de ensinar masculinidade tóxica aos teus filhos rapazes, a não ser que também aches boa ideia pôr-lhes um bocadinho de veneno para ratos nos chocapics para aprenderem a ser durões.

Não tens de educar as tuas filhas a serem muito meninas e os teus filhos a serem muito homens. A não ser que aches que os fabricantes de bonecas e de carrinhos são figuras de autoridade como os pastores do Médio Oriente ou senhores novecentistas com a barba suja de Sachertorte.

Não fujas às tarefas “da mãe”. Muda fraldas, dá banho, dá mimo, leva ao médico, leva à escola, estuda com, vai às reuniões de pais, acorda de noite, limpa a casa, cozinha, faz compras e no tempo de sobra trabalha. Um bom pai é uma boa “mãe”.

Se “levares a tua filha ao altar”, fá-lo também se ela se casar com uma mulher. A não ser que acredites que um pai está a passar a filha da sua tutela para a de outro homem ou que tudo isto se passe numa tenda num deserto já sabes-bem-onde. Ou num edifício de pedra e cal que continua aquela tradição, ça va sans dire.

Não pressiones a prole a “dar-te netos” nem faças disso um programa. Ninguém anda a ter filhos para os “dar” a outrem e se estás a querer compensar qualquer coisa que correu mal na tua parentalidade, bem, tivesses pensado nisso antes.

Não és mais homem por teres filhos. Nem sequer és mais pessoa. Pensa duas vezes antes de te baldares na contracepção (aplica-se também aos mais abertos de cabeça: não te apresses a assinar a papelada para a adoção). Por um lado não és tu quem vai engravidar e parir; por outro, pode muito bem não ser a tua praia. Nem todos os homens têm jeito para o futebol.

Não projetes nem compenses. Ser pai é fundamentalmente ver uma outra pessoa a fazer-se, a si mesma e em relação com tantas outras pessoas. Tu és uma entre elas. Convém é que sejas melhorzinho como pessoa do que a maioria delas e mereças ser especial para a tua filha ou o teu filho.

[Dedicado ao meu pai. Suspeito que teria gostado disto. Infelizmente, não me viu pai]

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