Precisamos de um projeto comum que contrarie os efeitos do neoliberalismo, os efeitos geoestratégicos do fim da guerra fria, e os efeitos cognitivos das redes sociais.
Um projeto de aliança e coligação que não fique preso aos binarismos das utopias — capitalista e socialista — posteriores à segunda guerra mundial, pois a eles já não se regressa (do mesmo modo que o que triunfa agora é um novo fascismo que se imagina, erradamente, a voltar a “virtudes” passadas);
que não se iluda com tentativas de “adaptação” aos processos de dominação atuais — das terceiras vias que destruíram o socialismo democrático, ao crescente racismo anti-imigração das direitas democráticas, para usar dois exemplos e sintomas;
e que não caia na patranha de culpar as lutas pelos direitos humanos e reconhecimento das categorias sociais historicamente discriminadas como sendo culpadas pela alienação das “pessoas” (quais?) em relação às esquerdas.
Há pequenas exceções aqui e ali, mas o panorama é de esquerdas presas a uma ou várias destas coisas enunciadas.
Muitas mais desgraças se vão ainda sentir, pois o atual processo de autêntica mudança civilizacional, de que a eleição de Trump é uma espécie de simultâneo fecho e começo, vai crescer em hegemonia.
Portanto, a reinvenção de um projeto esperançoso e justo vai ser difícil e demorada.
Mas o que há não serve.
Sou duma geração que, por privilégio mas também apesar dele, usufruiu dos aspetos positivos das viragens democráticas, das descolonizações, dos estados sociais, dos direitos laborais e das agendas dos direitos humanos.
O meu lema mantém-se: a máxima igualdade de oportunidades para o máximo número de pessoas, no mínimo tempo possível.
Mas agora que entrei no último terço da vida, dói-me assistir ao que parece ser uma mudança civilizacional (que é também planetária…).
E doi mais ainda o medo que sinto pela minha filha. Resta-me esperar que a sua geração ainda tenha as ferramentas para reinventar um projeto democrático de aliança e coligação.