As soluções que estão a ser propostas pelas universidades para este ano letivo correm sérios riscos de serem demasiado complicadas e ineficazes.
Todos achamos que o ensino universitário deve ser presencial. A universidade não é — ou não deveria ser — um lugar de mera transmissão de conhecimento. Ela deveria ser um universo de socialização, debate, e consciência cívica, algo que se consegue idealmente em relação e em co-presença. Coisa bem diferente é forçar essa co-presença na situação excecional duma pandemia. Trata-se de tomar o desejo pela realidade.
Por muito que o futuro possa vir a ser marcado por outras pandemias, é razoável pensar que esta, a da Covid-19, terá o seu fim, provavelmente dentro de um ano. Tudo o que se fizer na universidade no ano letivo que agora começa deveria ser encarado seriamente como excecional. Como? Continuando a experiência do segundo semestre de 2019–20, em que subitamente tivemos de passar para o modo online.
É geral a perceção, tanto de docentes como discentes, de que essa experiência — que nem sequer foi, obviamente, planeada, antes constituiu uma resposta a uma emergência — foi bem-sucedida.
Em vez de aprender com ela, e continuá-la no que já se percebeu vir a ser uma emergência igual, as universidades estão a inventar sistemas complicadíssimos de hibridismo presencial/online, com intrincadíssimas formas de gestão dos espaços, com uma divisão de turmas que contraria o suposto desejo da co-presença, com soluções tecnológicas não testadas e com enorme potencial de falhanço.
A solução mais sensata para o ano letivo de 2020–21 seria continuar com o ensino online — e em teletrabalho. Já se percebeu que funciona, já se sabe fazer, e o mundo universitário é fundamentalmente diferente do mundo dos jovens e crianças para quem a falta do convívio escolar é dramática.
As universidades deveriam assumir a continuação da situação de exceção. Porque não foi essa a decisão? Honestamente não compreendo.
A não ser que haja uma explicação comezinha e muito triste: uma certa mentalidade patronal que mede o valor do trabalho, neste caso o dos docentes, pela presença física, imaginando a ausência como lazer? Espero bem que não seja esta a razão, de tal maneira ela é evocadora da mentalidade salazarista do funcionariado e do relógio de ponto.
Alternativamente, tratar-se-á de um ato de “realidade por decreto”, parte do desejo de “normalidade” (alguma vez existiu tal coisa?), sobretudo associado à economia? Desejo legítimo, sem dúvida, mas que não tem de todo na universidade o seu lugar ideal, ou mais urgente, de concretização. A universidade é mesmo o lugar onde outras formas de trabalho podem ser experimentadas — como, repito, a experiência do segundo semestre de 2019–20 demonstrou. E as propinas continuariam a ser pagas (emoji de ironia)….
De novo: idealmente a universidade deve ser presencial. E sê-lo-á outra vez, certamente, uma vez passada a crise pandémica. Mas esta não só não passou, como tudo — até mesmo o momento da escrita deste texto — indica o seu recrudescimento nos próximos meses. Soluções complicadas, sanitariamente arriscadas e tecnicamente cheias de imponderáveis, vão tornar a experiência de ensino e aprendizagem em algo de ansiogénico, stressante e ineficaz. Para docentes, discentes e funcionários.
Qual o valor, laboral ou pedagógico, de ter de dar as aulas no espaço físico da universidade, mas como aulas transmitidas online (sim, é que é isso, aulas online a partir da sala de aula…) , envergando máscara, sentado a uma mesa por causa da câmara e sem poder circular e expressar-se (uma aula é uma peça de teatro), perante metade da turma (com a outra metade em casa), e sempre com o receio de “apanhar alguma coisa”? Qual é, sequer, o valor de tudo isso para os alunos?
Não compliquemos. Já basta a pandemia.