Três narrativas se instalam. Vêm todas da direita. Penetram os jornais controlados por interesses económicos de direita (quase uma redundância). Vão-se repetindo como frases de efeito (soundbites). Começam a circular nas ruas — e agora mais nas casas confinadas. Entram nas mentes. Tornam-se aparentes verdades insofismáveis. São elas:
- A culpa do crescimento do Chega é da esquerda.
- O Chega está para a extrema-direita como o Bloco e o PCP para a extrema-esquerda. Os extremos tocam-se. São radicalismos de direita e de esquerda, respetivamente.
- A pandemia, a crise social e económica, e a fragilidade do governo resolvem-se com um governo de Bloco Central.
É tudo opinião, certamente. E a opinião é livre, indubitavelmente.
Mas tudo assenta em mentira. Vejamos:
- Não. A culpa do crescimento do Chega é do crescimento do Chega. Ou seja, de quem nele votou. Sabendo ao que ia. Ou devendo saber ao que ia. Quanto às razões profundas, próprias da pulsão para a explicação sociológica de tudo, elas tanto são responsabilidade duma esquerda que não consegue sê-lo, como duma direita que continua a deter os principais poderes do Mundo. Afinal, foi ou não a ordem neoliberal (à falta de melhor expressão, que não sou grande fã do facilitismo do uso desta) que instituiu as condições para a frustração das expectativas de bem estar e de segurança?
- Não. Bloco e PCP pertencem ao Arco Constitucional há décadas, com assento parlamentar, defesa da democracia, dos direitos, liberdades e garantias nela plasmados. Qualquer referência a posições sobre a UE ou o Euro, ou a qualquer esqueleto no armário da política internacional ou do passado do mundo tem peso amendoínico (“it’s peanuts”) na avaliação da pertença ao Arco Constitucional. O que resta ou vegeta duma extrema-esquerda propriamente dita não está no parlamento e praticamente não vai a eleições.
- Meio não. Porque obviamente o Bloco Central é, como já foi, uma possibilidade. [Em 1983. Mil novecentos e oitenta e três. Talk about nostalgia da casa das tias velhas, esse clássico sentimento conservador…]. Uma opção, uma escolha. Mas não tem o condão da solução mágica dos problemas e foi (de novo, 1983…) uma solução de recurso. Por detrás do desejo de Bloco Central está a vontade da eliminação da esquerda, incluindo a esquerda do PS, bem mais do que o controlo do crescimento do Chega.
Curioso é ver como 3 depende de 1 e 2 no soundbitismo dominante. Como 1 e 2 são os elementos da guerra psicológica no teatro de operações (a metáfora da guerra, tão usada agora, em Portugal lembra sempre a Guerra Colonial) que conduz à “solução” Bloco Central. O marketing de direita em todo o seu esplendor.